Mostra Vulgar de Poder

[Texto por tante/Jürgen Geuter, disponível originalmente como Vulgar Display of Power em licença CC BY-SA. Tradução nossa.]

Hayao Miyasaki é o cofundador do Studio Ghibli, um estúdio de animação japonês conhecido mundialmente por suas lindas, estórias, deslumbrantes e emotivas estórias e filmes. No coração do trabalho do Studio Ghibli está um engajamento profundo com questões de humanidade. Sobre o que significa ser humano, sobre como cuidar dos outros e do mundo em torno de nós. Mas também sobre os níveis de crueldade que a humanidade pode ser capaz de alcançar – e como ainda existe graciosidade e amor mesmo sob estas condições. O trabalho do Studio Ghibli é bastante distinto. Com um nível de qualidade ao longo do tempo, construiu um estilo artístico muito reconhecível.

Hayao Miyasaki também é conhecido por sua reação a alguns tecnólogos mostrando a ele o que nós chamamos hoje de “I.A.” para gerar figuras “perturbadoras” em movimento:

Sua reação aos desenvolvedores orgulhosos exibindo a animação de uma coisa usando sua cabeça para se mover e alegando que “Inteligência artificial pode nos apresentar movimentos grotescos que nós humanos não conseguimos nem imaginar” é bem ilustrativa:

“Toda manhã, em dias não tão recentes, eu via um amigo que tem uma deficiência. É muito difícil para ele fazer um “high five”; seu braço com músculo rígido não consegue alcançar minha mão. Agora, pensando nele, não posso ver essa coisa e achar interessante. Quem criou esse material não tem ideia do que a dor é.

Eu estou completamente enojado. Se você quer fazer material perturbador, você pode ir em frente e fazer, mas eu nunca gostaria de incorporar essa tecnologia em meu trabalho de modo algum. Sinto fortemente que isto é um insulto à propria vida”.

Hayao Miyazaki

Ele finalizou com um comentário pungente sobre o que tinha acontecido:

“Sinto que estamos nos aproximando do fim dos tempos. Nós humanos estamos perdendo a fé em nós mesmos.”

Evidente que ele não estava olhando para os sistemas modernos de “I.A.” como os que Microsoft/OpenAI/Anthropic/etc estão tentando (com pouco sucesso econômico) vender. Mas sua posição poderia ser aplicada do mesmo jeito “Quem criou este material não tem ideia do que a dor é”. Ou alegria. Ou amor. Ou fome. Ou desejo. Ou necessidade. Ou querer. Todas as partes que definem nossa humanidade e nosso modo de interagir com o mundo. As coisas que nos fazem nos importar, que nos empurrar em direção a fazer algo, descobrir algo. Dizer algo ou ouvir algo.

Por muito tempo, os sistemas da OpenAI tentariam bloquear usuários de gerar imagens no estilo de certos artistas. Isto era obviamente por questões de direitos autorais, eles apenas não queriam ser processados (ainda mais do que já são). É algo que mudaram muito explicitamente. Agora você pode facilmente gerar material no estilo do Studio Ghibli e Sam Altman fez seu avatar no X – A Rede Nazi – uma versão ‘ghiblificada’ de si mesmo.

Acredito que em uma camada David Gerard tem interpretado isso de forma correta como uma distração de seus problemas financeiros:

Isso significa que a OpenAI tem que fazer mais e mais anúncios para se exibir a investidores como ainda cool e interessante. Qualquer lixo antigo vai dar certo, como um bot de escrita de ficção ou coisas similares.

David Gerard

Mas acredito que ainda vai além. Há uma razão para eles escolherem o Studio Ghibli. Claro, é um estilo bem fofo, bem distinto, mas não é toda a questão. Não é como se eles não pudessem escolher algo fofo e acidentalmente o cofundador daquele estúdio hipotético odiasse a sua abordagem do fundo do coração. OpenAI escolheu Studio Ghibli porque Miyazaki odeia a sua abordagem.

É uma mostra de poder: Você como uma pessoa artista, animadora, ilustradora, escritora ou qualquer pessoa criativa está impotente. Nós vamos tomar o que quisermos e fazer o que quisermos. Porque nós podemos.

Porque nós Podemos. Essa é a ideia de que poder faz ser certo. A bandeira que qualquer governo totalitário ou fascista balança. OpenAI, ainda bem, não é um governo mas estas ideias e seu pensamento tem influenciado muitos governos em torno do mundo. “Se não somos permitidos tomar tudo que quisermos sem pagar e contra a vontade das pessoas, nós nunca vamos criar o deus-máquina que vai resolver todos nossos problemas”.

A movimentação da OpenIA é uma tentativa de ver qual será a reação a eles passarem da linha mais uma vez de forma explícita, intencional e alegremente, agindo contra a vontade explícita e conhecida das pessoas que usam em suas máquinas. E muitos no público parecem engolir essa postura, tornando suas fotos de férias em imagens “estilo Ghibli”.

O estudioso do autoritarianismo Timothy Snyder (que acabou de deixar seu emprego na Yale University indo para Toronto em uma reação não sutil ao fascismo crescente nos EUA) escreveu seu livro “On Tyranny” para dar 20 lições sobre como reagir e resistir a movimentos autoritários. A primeira regra é “Não obedeça antecipadamente”.

É isso que muitos tem feito aqui. Submetendo-se a essa lógica de injustiça e dominação antecipadamente. Por que funciona bem no Instagram ou por que “são apenas imagens”. Mas isso é uma submissão à lógica de dominação daqueles que tem poder. É uma submissão de direitos e consensos democráticos. É uma submissão a uma mostra vulgar de poder.

E é por isso que a Casa Branca usou essa tecnologia para [aviso de conteúdo: é uma mostra obscena de violência] para ilustrar sua crueldade contra migrantes. A crueldade é o ponto. Assim como as outras formas de violência à mostra.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *